O Condor e o Beija-Flôr
Papagaio do vale amazónico havia insinuado ás aves do seu reino que os homens o admiravam pela beleza de suas cores e que ele era o digno representante dos seres celestes já que, sua plumagem, encontrava-se nos templos de Wiracocha e os Filhos do Sol comungavam com os sete raios divinos que só ele era capaz de vestir, e definitivamente o grande Papagaio merecia ser o rei do céu. O caos passou a imperar e agora as aves voavam desordenadamente, alimentavam-se destruindo os campos e caçando sem necessidade, havia no céu uma sombra de terror e insegurança. A libertinagem havia sido instaurada, e nas montanhas e vales, só havia tristezas. Era o momento de invocar os deuses, a chegada de um mensageiro divino para que colocasse ordem na Terra. Estas novidades chegaram aos ouvidos das outras aves, as quais tomaram as insinuações do Papagaio como simples intenção de superioridade nas suas próprias limitações, trataram de não se influenciarem por estas palavras e esquecer estes comentários; porém a semente do orgulho e do ego havia nascido no coração das demais aves e todas ansiavam representar sua própria realeza criando-se uma anarquia onde já nem a águia conseguia ser respeitada.
Porém os clamores das sábias aves não se faziam escutar e o céu desconheceu o pedido. Teria que haver um outro caminho para restaurar a ordem deste reino, porém qual? Havia chegado o momento de escolher um digno representante das aves que pudesse interceder frente aos deuses do céu e este seria ave que voasse mais alta. Todos estavam de acordo e decidiram que convocariam todas as aves para que no dia designado se apresentassem para demonstrar suas qualidades de voo Ficou combinado o encontro para o oitavo dia do oitavo mês às oito horas da manhã e teriam que ser convocadas todas as aves da Terra para reunir-se neste dia. O tempo era suficiente e ninguém poderia alegar depois que não havia sido comunicado antecipadamente. A gaivota foi escolhida para percorrer até os confins da Terra comunicando a decisão das aves sábias. Sua missão foi complicada porque ela não teve como comunicar-se com o Condor que morava nos topos das montanhas. Como não conseguiu chegar até lá, ela teve que pedir ajuda a Raposa. Após encontra-la suplicou para que ela fosse encontrar o Condor e comunica-lo sobre o encontro acordado pelas aves para eleger o seu rei. A Raposa subiu as montanhas para comunicar-se com o Condor e o viu a voar baixo pelo vale em busca de água. Após beber água o Condor começou levantar voo, mas encontrou a Raposa que havia acabado de comer e, satisfeita, havia deixado os restos para que o Condor sentisse o odor. Ao ver isso, o Condor resolveu abaixar para se servir deste alimento sem prestar muita atenção na presença da Raposa. Depois que o Condor terminou de comer, a Raposa o cercou e disse que as aves da terra haviam convocados todas as aves na data marcada para eleger o seu rei. O Condor não demonstrou muito interesse. A Raposa explicou todos os motivos do convite, e o Condor achou razoável que as aves do céu se organizassem para sua própria ordem; porém disse que não iria participar já que ele era o “rei das aves” e que nenhuma delas poderiam competir com sua magnitude e capacidade de elevar-se acima dos mais altos picos nevados; em suma ele era “o rei das aves” e “o que voava mais alto”. “Querida Raposa, você que me acompanha nos momentos de grandes banquetes comunica a minha resposta aos filhos do céu e diz que “eu sou o rei das aves e o que voa mais alto” e não necessito competir; entre eles pode haver um representante do ar, porém o rei sou eu, posso ser o juiz desta disputa se eles o desejarem, e se for assim, que te enviem novamente como mensageiro para informar-me”. As aves sentiram-se menosprezadas pela resposta do Condor, limitadas e rebaixadas nas suas virtudes, porém o único caminho que lhes restavam era ceder; pediram á Raposa que comunica-se ao Condor que sua resposta havia sido aceite e que, por favor, se digna-se a ser o juiz da disputa, pois sua presença seria valiosa. O dia chegou e, antes do amanhecer, todas as aves se haviam reunido num grande monte aguardando a chegada do Pai Sol. Os primeiros raios do Sol iluminaram as colinas vizinhas e começou a sentir-se um ar gelado, próprio do amanhecer, e algumas aves celebraram o calor que estava achegar e que iria aumentando com a presença do Pai Sol que agora se encontrava sobre suas cabeças. O espectáculo era digno de uma ficção celestial onde as cores, formas e cantos misturavam-se na mais fascinante das manhãs; a hora da disputa ia chegando e emocionava todos os presentes. Quando todos estavam prontos, apareceu um Beija-Flor que acabara de escutar que o Condor não participaria da competição porque se considerava “o rei das aves e aquele que voava mais alto”, comentário que o Beija-Flor não considerou justo para alguém de tão grande tamanho e poder. O Beija-Flor abriu caminho com suas delicadas asas e apresentou-se diante do Condor dizendo que ele também era uma ave e que, como tal, teria que mostrar o que se supunha, e que mesmo dentro da sua humildade aceitava que o Condor “era o rei das aves”, porém, definitivamente, ele, o Beija-Flor era quem voava mais alto. Ao escutar isto as demais aves sentiram-se seguras e insistiram que o Condor participasse das disputas. A pressão foi tanta, que o Condor teve que aceitar, porém, proclamou mais uma vez que “ele era o rei das aves e que voava mais alto”. O sinal foi dado e na hora em que todas as aves estavam apostos, o Beija-Flor se acercou do Condor e falou “tu és o rei das aves” admiro-o por isto, porém “sou eu que voo mais alto”. O Condor sorriu e lhe disse - Querido Kenti, Beija-Flor dos vales e das pradarias, sua presença me inspira e teu tamanho me mostra a grandeza do seu espírito, porém o grande Wiracocha colocou no meu peito o poder de reinar neste mundo e sou o que voa mais alto”. A Raposa, audaz e silenciosa deu a partida da competição. Aos poucos as aves levantaram voo em direcção ao céu. O Condor aguardou a chegada de um vento para impulsionar-se e no exacto momento em que se desprendia da terra com um movimento seguro e forte de suas asas, o Beija-Flor de peito dourado agitou suas asas e num piscar de olhos aproximou-se do Condor e desapareceu; as aves já estavam na sua totalidade no ar e agora cada uma demonstrava sua capacidade de elevar-se para ser coroado “rei”. Algumas planavam de maneira genial, outras seguiam as correntes do vento; outras seguiam o caminho do Sol; algumas rompiam suas próprias barreiras invocando a força da terra, da querida Pachamama para com vitalidade não decepcionar seus familiares. Chegaram aos mil metros de altitude e quase todas continuavam emparelhadas; ascenderam os dois mil e algumas se encontravam abaixo das montanhas; os três mil metros foram mais severos e muitas aves desistiram por causa da falta de oxigénio; nos quatro mil metros, muitas outras pararam por causa dos efeitos do mal de soroche (mal das alturas); agora só os mais fortes seguiam a jornada em direcção ao Sol. Nos cinco mil metros, as montanhas se apresentavam cada vez mais desoladas e brancas; as águias, falcões, gaviões e outras aves de rapinas ainda permaneciam lado a lado subindo os níveis do céu. Nos seis mil metros, quase todas haviam ficado para trás, à excepção da Águia e do Condor, este último num movimento ondulado continuava elevando-se com a serenidade de sua própria estirpe; chegaram aos sete mil metros e a Águia pousou nos picos nevados, desistindo da competição. O Condor seguia impávido e sorria interiormente celebrando sua presença nos cumes mais altos de nossa Terra e, junto à pureza do céu olhando, a terra e todos os seus confins, e silenciosamente dizia: “eu sou o rei das aves”. Neste mesmo instante sentiu umas pancadas na sua cabeça e sem entender viu o Beija-Flor acima de sua cabeça dizendo: “tu és o rei das aves, porém eu voo mais alto”. No momento do início da competição, o Beija-Flor havia se acercado do Condor e desapareceu escondendo-se entre suas plumagens fazendo do Condor seu veículo até o céu e as alturas de Wiracocha; a cumplicidade de ambos é apresentada nesta história. Desde os primórdios da história andina o Condor esteve relacionado com o Beija-Flor e ambos passaram a representar o simbolismo andino. Retirado do livro Eternamente Machu Picchu
Muita Paz Mário Cardeal
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