É Hora de Sonhar Conscientemente
Em todas as épocas, sempre que a humanidade esteve à beira da extinção, ela deu um salto quântico. Quando coisas estão boas não há nenhuma necessidade para mudar. Só existe mudança quando existe conflito, até lá não. Repare bem na sua vida. Quando está acomodada a determinada situação, para si, essa situação está bem como está mas quando existe algo que a incomode nessa situação, então, algo a chama a sua atenção para determinado facto. É nesse sentido que lhe chamo conflito. Só quando toma consciência que algo a incomoda é que pensa em alterar algo para que essa mesma situação modifique a seu gosto, pois, dessa forma cessa o conflito existente. Ora, como é sabido, em todas as situações que existem, baseiam-se na premissa de escolhas efectuadas ao longo da nossa vida, pois, hoje somos o somatório do nosso crescimento ao longo da existência. Se nos encontramos menos bem hoje, devesse exclusivamente a escolhas efectuadas no passado. Mas, para hoje alterarmos a situação que nos desagrada, temos que ter bem presente que a vida é uma equação cheia de várias probabilidades. É nesse sentido que alerto para, antes de tomar qualquer atitude de mudança, deve ter em atenção de qual a variável que quer alterar na sua equação, pois, como é fácil de perceber, ao alterar o valor dessa variável irá, decerto, alterar o resultado da equação.
Creio que actualmente a Humanidade encontra-se em conflito; conflito social, político, económico, etc, toda a panóplia de situações conflituosas e por serem resolvidas. O que lamento é que seja meia dúzia de indivíduos a nível mundial com “poder” para escolherem qual o valor e qual a variável que querem alterar e, por vezes, o resultado final dessa equação só serve para os mesmos de sempre.
Mas nós (ser humano) estamos redescobrindo as ferramentas neurológicas para fazer isso, tal como os xamãs fazem quando realizam esse salto quântico.
Sensivelmente há cem mil anos atrás o cérebro humano quase duplicou o seu tamanho levando a termos criado com esse facto um computador neural novo que ainda, apesar de ter decorrido milhares de anos, estamos a aprender a usar. Esse novo computador neural, chamado neocórtex, encontra-se dividido em dois hemisférios sendo um do esquerdo e outro do lado direito do cérebro.
Pessoalmente acredito que o despertar do neocórtex foi a alavanca, a força motriz responsável pelo surgimento de profetas, visionários, grandes cientistas, e grandes homens e mulheres da medicina nativa, pois, uma vez despertado este cérebro novo não fica preso as definições ordinárias de tempo e espaço, é como se o caminho abrisse, como se aclarasse a visão. Este novo cérebro está a despertar a humanidade actualmente, e ao menos que nós aprendamos a dominar suas capacidades, começaremos a atrair para nós doenças e desordens psicossomáticas de todo o género. Também está-nos dando a habilidade para curarmo-nos (através da criação da saúde psicossomática) e escolher nossos destinos individuais, escolher qual a variável e o valor a ser alterado na nossa equação da vida. Mas acima de tudo, está-nos dando o poder para empenhar a totalidade do potencial humano de conhecimento, principalmente ao observar a natureza. O xamanismo é um antigo mapa para dominar estas capacidades.
O xamanismo oferece uma mitologia diferente da que nós aprendemos na nossa infância. A mitologia Judaíco-cristã não é de liberdade, mas de expiação, ao contrário da intenção do Mestre Jesus neste caso concreto. É de mitologia e filosofia expiatória o que levou a humanidade a aprisionar-se a valores e conceitos erróneos e que, por sua vez a escravizou não permitindo a esta o crescimento devido. Ficou presa nos grilhões da ignorância, do medo do inferno, da miséria e da punição. Subjectivamente penso que foi a única mitologia que nos expulsou do “paraíso” e que para que possamos a entrar novamente teremos que passar por muitas penitências. Se verificarmos com verdade e livres de conceitos, preconceitos e ideias intuídas pelos supostos líderes religiosos, verificaremos que o que eles dizem não faz o menor sentido. O Mestre Jesus veio falar de Amor e perdão e a bíblia fala-nos, em parte, de um deus carrasco. Chegámos ao ponto da incoerência tal que podemos ser os maiores meliantes na Terra mas, se no último momento me arrepender e, por sorte, estiver um padre à minha beira, serei absolvido de todo o mal praticado. Que grande justiça para aqueles que sofreram nas minhas mãos! Na Páscoa, sexta-feira santa, desde que pague o dizimo, já poderei comer carne e não ser punido por deus. Como não haver corrupção na Terra se mesmo deus é corrupto? Nada disto faz sentido, pois não? Os supostos líderes religiosos aprisionaram a humanidade através da indução do medo. E o medo é o maior entrave que existe. Quantas coisas deixou de fazer por ter medo, quantas opções deixou de tomar, quantas alegrias perdidas, quantas tristezas ganhas?
Hoje fala-se de uma nova consciência, falasse de Ecologia. A Ecologia sempre existiu pois é algo natural. A ecologia sempre esteve dentro de nós, apenas estávamos cegos e cegos pela ganância, pelo ódio, cegos em fazer dinheiro, pelo poder, pelo ego. A ecologia sempre existiu nos povos nativos e para os xamãs porque eles nunca foram expulsos do jardim. Na verdade os povos ditos primitivos ainda hoje vivem no jardim, vivem no paraíso porque seus corações mantém-se puros, não foram tocados pelo ego desmedido. Então é algo você tem que fazer. É algo que você tem de viver. Tem que abandonar a sua forma de pensar, tem que reflectir sobre o seu ego, tem que aprender a viver conscientemente. Não pode continuar adormecido nem com medo infundado. Olhe onde estão os conflitos na sua vida, procure-os bem, pois encontrará. Dê-lhes valor e altere a variável da sua equação. Volte para o “paraíso” porque é a sua casa.
Ao tomar esta consciência diria que inicia o “caminhar com beleza” na Terra. O que está a acontecer com a maioria da humanidade é que descobriu o quanto estava a ser enganada; o Homem começou a pensar, finalmente. Iniciámos uma libertação psicológica e de uma mitologia de controlo e repressão, procurando trocar por uma libertação consciente e em consciência.
Uma das razões que a igreja e o próprio estado, em compadrio com ela, têm, durante séculos, capturados e mortos os curandeiros e curandeiras nativas, os supostos feiticeiros e todos os que eram diferentes conforme o interesse da inquisição é porque eles proponham uma mitologia de libertação. Matavam em nome de uma religião, matavam em nome de deus. Decerto que este deus não é, de todo, o meu Deus, pois, o meu Deus é de Amor e não um deus de vingança e de terror.
O xamanismo oferece uma comunhão directa com o divino e a possibilidade para influenciar o curso do nosso próprio destino. Xamanismo não é uma religião. Não há nenhum Cristo, nenhum Alá. No xamanismo aceita-se a vida, vive-se com coerência, com Amor e dedicação. O xamanismo é libertador e não se prende com ideologias e filosofias criadas pelos Homens, pois, a Natureza a nossa Mestra. É o reconhecer que somos produto de algo maior e que existimos por algum motivo. Ninguém diz, “Siga meus passos”. No xamanismo damos os nossos próprios passos com coragem, compaixão, e visão. É por esse facto que, infelizmente, não é para todos pois tornasse necessário a existência de trabalho árduo em nós mesmos. Não existe ninguém que faça o trabalho por si, apenas que lhe incentiva a trabalhar, a auto curar-se. Requer apenas que aprendemos com a natureza. Ele nos ensina a conhecer o poder directamente, abraça-lo e reivindica-lo para si. Ensina a tornar-se religioso na acepção da própria palavra, ensina a amar todas as formas de vida e tudo o que existe.
O papel do xamã é baseado em cima de quatro papéis diferentes pois ele é o curandeiro, feiticeiro, sacerdote, e o criador de mitos. Os supostos sacerdotes repetem as velhas histórias já lidas, relidas e contadas por outros, repetem o que outros lhes disseram para repetir e o mais engraçado é que alguns deles nunca reflectiram sobre as suas palavras ditas e continua com a mesma mitologia, comportando-se como papagaios incansáveis. Já o xamã nos transporta directamente para o conhecimento contido dentro do mito. Passa os seus conhecimentos através de parábolas, através de exercícios que o levem à reflexão. O xamã lança o desafio, cabe a cada um encontrar a solução. O xamã é o professor onde tudo está bem como está, pois, tem uma visão mais lata sobre o tempo. Sabe o passado, conhece o presente e prevê o futuro. Indica qual a estrada a seguir mas não a transportará ao colo. Cada um com as suas obras e conquistas. O xamanismo é tão puro que só é recompensado aquele que trabalha e a recompensa é proporcional ao seu esforço. Quem recompensa é o Universo e não o xamã, logo não há injustiças nem corrupções.
Na concepção clássica, xamãs são os intermediários entre Céu e a Terra. Eles não dispensam a função de continuar a curar. Este é o papel do curandeiro. O xamã diz que você não se pode curar até que se torne uma pessoa de poder, pois, a cura está dentro de si. Se está impossibilitado ou pouco disposto para se auto curar-se, então deve procura um curandeiro que lhe dará as ervas para se curar, que procure seus aliados de poder, que procure suas partes de alma perdidas, etc. O sacerdote está interessado nas respostas, já o xamã está mais interessado em fazer as perguntas. O xamã lhe ajuda a aprender a sair do tempo linear que nós estamos tão domesticados, para um tempo que pode parecer linear, mas desdobra adiante em si mesmo, ensina a entrar noutras dimensões.
Na maioria das culturas não ocidentais, vemos que o tempo e história se repetem, é um constante passado a começar amanhã. Se entendermos os ciclos da história, compreenderemos o futuro. Uma vez que se pode trazer a melodia com os ciclos de natureza, pode começar a aprender a pisar fora de tempo ordinário, no Tempo do Sonho Consciente.
Mas, atenção, no Tempo do Sonho Consciente não podemos levar nosso ego connosco, só nosso intento. A personalidade não tem lugar ali. Muitas das práticas xamânicas são delineadas para fortalecer e autorizar o intento de forma que possamos atravessar e penetrar outras dimensões da realidade. Estas dimensões são mundos que existem paralelo ao nosso e onde temos acesso directo ao conhecimento e informação.
Na Amazónia, por exemplo, antes de começar certas cerimónias, os participantes tem oportunidade para compartilhar quem sãos e porque estão lá. O mais interessante é que todos os participantes fazem tudo ao mesmo tempo. Todos falam simultaneamente. A meta é afinar o fluxo de informação para adquirir uma impressão da totalidade do propósito do grupo. Não é permitido começar a cerimónia até que se saiba o que cada pessoa está a dizer sem ouvir individualmente o que eles exactamente estão a falar.
Quando soube deste facto procurei encontrar sentido para que decorresse daquela forma a partilha. Fiquei imaginando a situação. Descobri o porquê num centro comercial quando almoçava sozinho, pois, xamanismo é isto mesmo, procurar situações semelhantes que nos levem ao aprendizado, confiar e deixar fluir. Várias pessoas, noutras mesas, falavam em simultâneo e esforcei-me para as ouvir a todas. Fiquei espantado com o resultado; é soberbo! Tomei a noção que é um modo de desenvolver um novo sentido. Não é uma questão de sentir de sensação ordinária, mas a sensação de uma cruzada em busca de um desenvolvimento xamânico de forma que, por exemplo, possa ouvir algo que eu vejo. Como é óbvio, dá trabalho e nas primeiras vezes é bastante cansativo a nível mental. Mas nada se faz sem trabalho, pelo menos em xamanismo. O que me pareceu acontecer foi que os nossos cinco sentidos começam a trabalhar em conjunto, desenvolvendo um novo sentido. Por exemplo, os músicos geralmente desenvolvem este novo sentido, no meu entender porque eles vêem um voo de pássaros, independentemente da distância destes, e podem ouvir o bater das asas ou, então, eles ouvem música. Dito de outro modo, posso ver, por exemplo, uma formiga a recortar a folha de uma planta e ouvir nitidamente o som produzido pelo seu trabalho de recorte o que me já sucedeu algumas vezes. Poderão dizer que é imaginação minha mas, o certo é que já me aconteceu estar na Serra de Sintra meditando e ouvir um ruído por detrás de mim; era uma formiga a recortar uma folhinha. Ora se essa acção estava por detrás de mim e se eu conhecia a sua existência está fora de questão ser fruto da minha imaginação. Mas como tudo na vida exige prática e dedicação, hoje perdi essa faculdade no meu entender.
Com este novo sentido podemos aprender a ver literalmente com nossa pele. É aquilo que considero não vermos com os olhos físicos, não ouvir através dos nossos ouvidos, mas sim com a nossa alma, com todas as nossas células, com todo o nosso corpo. Deixe-me dar-lhe um exemplo: quando eu olho no Tempo do Sonho Consciente, não estou a olhar a face de uma pessoa como eu sou agora. Estou a olhá-la simultaneamente à frente, na parte de trás e dos lados, como se estivesse em todo lado em simultâneo. No Tempo do Sonho Consciente percebemos tudo globalmente, é a chamada visão holística ou de omnipresença. É um tipo de oceano percepcional que está totalmente desorientado até que aprendemos a enfocar nosso intento. Uma vez que aprendemos a decifrar e controlar nosso novo sentido através dos outros cinco sentidos, começamos a perceber além do tempo ordinário, pois até este deixa de existir. Podemos ouvir vozes que foram ditas há 3000 anos atrás, por exemplo, o que me leva a concluir que entramos, de certa forma, num espaço-tempo onde temos acesso aos registos passados. Ficamos sensíveis ao fluxo de informação que está ao nosso redor. No meu modo de ver as coisas, essa é uma sensação que se encontra latente na Humanidade. Nas caminhadas que organizo ou nos workchops em que sou facilitador, por várias vezes, levei os participantes a descobrirem respostas, por exemplo, através das pedras, através das rochas. Não podemos esquecer que as rochas são bibliotecas vivas onde se encontra registada toda a informação desde a origem deste planeta. Levo-as a dialogar com as formações rochosas e é bastante gratificante quando, na partilha da experiência, relatam o sucedido.
Os xamãs dizem que há dois tipos de pessoas: as pessoas que sonham e as pessoas que estão a ser sonhadas. Os sonhadores são esses que podem conduzir os seus sonhos conscientemente. Sonhar lucidamente é um modo excelente para entrar no Tempo do Sonho Consciente. Na maioria das tradições xamânicas é ensinado ver, usar a nossa visão para ver nesta realidade ordinária. Vendo-as, nós podemos entrar nelas, e passamos a estar simultaneamente em duas realidades. Se nós podemos aprender a desenvolver a percepção deste novo sentido, que estava a falar, então nós podemos ouvir inúmeros diálogos ao mesmo tempo. A percepção é a chave para entrar nestas realidades. Aprendemos a perceber e reconhecer o que está a acontecer o ao nosso redor a todo momento.
Eu costumo utilizar o sonho lúcido para controlar os meus actos nos meus sonhos. Carlos Castañeda escreveu sobre alcançar esta consciência olhando suas mãos durante seus sonhos. O que eu procuro fazer nos meus sonhos é manter comigo um pequeno objecto que encontrei numa Viajem Xamânica, que realizei antes de entrar no Tempo do Sonho Consciente. Quando aquele objecto aparece no meu sonho, eu fico consciente que estou a sonhar.
No estado de sonho, a pessoa tem acesso a professores que não são compostos de matéria orgânica. Nem mesmo vivem no tempo em que vivemos. Podemos cruzar a cortina do tempo, e sentar aos pés de mestres tibetanos, siberianos, incas, maias, norte americanos, e ouvir suas informações, suas lições.
Segundo a crença dos aborígenes australianos e nas suas histórias, existiu uma época em que o mundo tangível pertencia ao Dreamtime, ou seja, Tempo do Sonho. E que haverá o dia em que o nosso mundo será mais uma vez reabsorvido no Tempo do Sonho. Para estes aborígenes, o Tempo do Sonho torna-se parte do presente quando seus mitos da criação são revividos ao serem representados em cerimónias sagradas. E o facto mais interessante, no meu entender, é que, para eles como outras tradições, os caminhos percorridos pelos ancestrais são caminhos sagrados. Em cada lugar por onde o ancestral passou, deixou a marca sagrada de sua presença, da sua existência, independentemente de ter sido num rochedo, num lago ou numa árvore, pois o Tempo do Sonho não está somente no passado, pois é o eterno Agora. Entre cada batida do coração, o Tempo do Sonho pode voltar e é importante que saiba entrar no Tempo do Sonho Consciente, que saiba o que é, de facto, importante na sua vida, que saiba que perguntas fazer e como obter as respostas. Tudo dialoga connosco desde que tenhamos humildade suficiente para ouvirmos. Viajar no Tempo do Sonho Consciente pode ser uma excelente ferramenta de trabalho para quem quer trabalhar ao serviço do próximo com o coração. Tenho utilizado algumas vezes esta ferramenta e apenas poderei dizer que obtive em muitas situações auxilio para compreender a causa de alguns distúrbios nos doentes que me procuram. Saber perguntar é fundamental; saber onde encontrar as respostas é divino.
Trabalhem arduamente, pois, um dia serão recompensados do esforço dispendido.
Muita Paz
Mário Cardeal